Underground (Cap 1.0)

Queria ver o mundo de cima, sentir o vento esverdeado brincar com seus cabelos. No topo da colina ele ficou, observando a cidade abandonada, as carcaças vazias dos carros como carapaças de grandes insetos mortos... eles pareciam ter infestado todo o lugar, combinando assustadoramente com o mato invadindo a sarjeta, o musgo dominando paredes, teias de aranha emendando os vidros quebrados das janelas. Era um incrível cemitério tecnológico, ele via cabos de energia arrebentados, tendo explodido ou queimado a muito tempo atrás, quando o mundo havia acabado, muito antes de ele próprio ter nascido.

Motocicletas, bicicletas viradas, vitrines, manequins empoeirados, moveis, automóveis, roupas... todas as maravilhas da antiga sociedade moderna...ele via colônias de fungos cobrindo enlatados, caixinhas e vidros de remédio nas farmácias abandonadas... a cidade era um brinquedo de Deus. Uma maquete incrivelmente grande.

Pode ver os vermes, gigantes, pegajosos escorregando para debaixo de um ônibus batido, um ônibus escolar. Quantas crianças morreram ali dentro...? Ele poderia descobrir. Virou o rosto, não gostaria de saber, ninguém deveria saber.

Desceu a rua, não olhou pela porta do ônibus.

O cheiro dos vermes lhe dava vontade de vomitar- desses ele não comeria. Mas estava na hora do jantar.

Estava cansado de caminhar, sua velha motocicleta não o levaria mais longe, havia batido um pouco antes, e um buraco no tanque de combustível havia posto um fim em sua utilidade.

Fazia um tempo que já não queria mais viver. Não sabia sua finalidade, não havia como encontra-la. Viver nesse mundo tão vasto... Completamente só.

A espessa neblina verde cobria ate onde sua vista alcançava - os prédios mais a frente, as ruínas de um supermercado, tudo tão bem destruído, que ele imaginava o trabalho, depois disso, porem, apenas a atmosfera verdolenga... já era difícil encontrar outra cor, ate mesmo seus cabelos e olhos tinham tonalidade semelhante, ele começava a odiar Underground.

Levantou o rosto para o céu, via um azul tão puro, as macias e alvas nuvens de verão... ele preferia ver o mundo assim.

Ouviu um barulho. Olhou para trás... e lá estava Farejador novamente, seguindo-o de perto, embora tímido.

O animal vinha acompanhando-o a horas, desde que ele se levantara, a motocicleta caída numa vala, e ele miraculosamente intacto, a beira do asfalto. Provavelmente cega, a criatura vinha com o focinho cumprido grudado ao chão, como um caçador. Não era bem um cachorro - ele saberia se fosse, pois fascinado, conhecia o bicho nas figuras dos livros. Possivelmente... mais uma mutação genética.

Agora o mundo era feito de monstros, anomalias.

“Esse maldito ar verde... ele eliminou os últimos humanos?” Sorriu, “Eu certamente não sou um...”

Agachou-se. Esperaria por Farejador... ele também estava sozinho. Ambos eram iguais, sem família, sem clã... sem passado. Irmãos.